Rubens Barbosa*
A histórica vitória de Joe Biden será analisada por muitos anos. O resultado da eleição foi, surpreendentemente equilibrado, refletindo a profunda divisão do país. A onda azul, democrata, não ocorreu, mas a sociedade americana preferiu eleger um presidente moderado e conciliador, que promete reduzir o ódio e unir o pais. O resultado das urnas mostrou que o eleitor separou a figura do presidente falastrão do seu partido. O partido Republicano, que teve um desempenho muito melhor do que Trump, saiu fortalecido com maior número da deputados na Câmara de Representantes e com a possibilidade de manter a maioria no Senado.
A polarização política nos EUA vem se acentuando nas últimas décadas e esse quadro não deverá se alterar no futuro previsível, em função, entre outros fatores, do aprofundamento com a pandemia dos contrastes existentes no país mais rico e mais avançado do mundo. A crescente concentração de renda acentuou as desigualdades entre as pessoas, as regiões e entre os centros urbanos e as áreas rurais, fato agravado pelas consequências econômicas. O impasse, se o Senado continuar Republicano, dificultará a execução das reformas prometidas por Biden nas áreas de saúde, economia, energia, imigração, meio ambiente e no fortalecimento da democracia e dos direitos humanos.
Os EUA estão deixando de ser um país com maioria branca e calvinista para se tornar uma democracia multiracial e multicultural. Quase 75 milhões de eleitores se manifestaram contra um presidente com abordagem não convencional na política, negacionista, percebido como egoísta, mentiroso, vaidoso e que coloca seus interesses pessoais e eleitorais acima dos interesses do país. Trump impôs políticas que favoreceram o populismo, o protecionismo, o racismo e o isolacionaismo, sempre ressaltando que isso iria ampliar e emprego do trabalhador norte-americano e reforçaria a idéia de que os EUA sempre estariam em primeiro lugar. As políticas seguidas por Trump acentuaram o divórcio racial e os conflitos relacionados à imigração. Em alguns estados, os votos de jovens negros, latinos e muçulmanos foram maiores do que o esperado para o partido Republicano, apesar de algumas políticas de Trump terem sido claramente contrárias aos interesses dessas minorias. Acentua-se, assim, a divisão em torno de temas culturais, enquanto há mais convergência em torno das políticas econômicas, menos conflitivas visto que estão voltadas para o crescimento do emprego e da renda. Apesar da rejeição pessoal, as bandeiras que Trump levantou deverão permanecer. O movimento populista, nacionalista e conservador se fortaleceu com o voto nas áreas rurais, mais pobres, de maioria branca, sem instrução superior e de menor renda. Os republicanos emergem estranhamente como o partido da classe trabalhadora, mais afinado com os anseios da nova composição social e racial da sociedade norte-americana. Leia mais